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O (AB)USO DA MEDIUNIDADE COMO INSTRUMENTO DE PODER

A finalidade de servimos de medianeiro é uma só: auxiliarmos encarnados e desencarnados. Contudo há espíritos, do lado de lá e cá, que se deixam levar pelo orgulho e egoísmo esquecendo o que realmente importa.



Em todos os tempos, a mediunidade foi utilizada como um instrumento de poder. Sacerdotes egípcios deixavam o povo aterrorizado pelos poderes extraordinários que demonstravam; na Bíblia também há relatos de inúmeros casos similares. E nas mais diversas religiões, sacerdotes atuais ainda repetem os mesmos artifícios.

O Espiritismo esclarece a causa natural dos fenômenos mediúnicos e do sexto sentido. A mediunidade não é uma exclusividade de almas evoluídas. Um indivíduo orgulhoso e egoísta pode ser naturalmente um médium. E os Espíritos que se comunicam são das mais diversas classes, desde sofredores, falso-sábios e até os bons. Enfim, reconhecemos o caráter, tanto de médiuns quanto de Espíritos por seus atos, palavras e pensamentos.

Infelizmente, muitos grupos de estudo do Espiritismo, que deveriam orientar sua prática pelo O Livro dos Médiuns, utilizam-se da mediunidade para a disseminação de doutrinas pessoais e para a manutenção de sistemas rígidos de controle e subjugação de consciências, repetindo, assim, as tristes práticas registradas na história da humanidade.

Sendo tão natural quanto os sentidos físicos conhecidos, a mediunidade nada tem de muito especial, sendo uma faculdade tão neutra quanto esses sentidos. Dessa forma, o indivíduo que é médium não é um ser privilegiado, nem dotado de inumeráveis qualidades espirituais, muito menos uma espécie de predestinado.


GENTE COMO A GENTE
Os médiuns não devem ser transformados em mitos, em santos enviados por Deus para guiar os destinos das pobres almas da Terra. Naturalmente, os médiuns não são santos nem tampouco deuses: são gente como a gente. Vivem uma vida material, cercada de dificuldades e necessidades trazendo em sua “bagagem reencarnatória” um somatório de virtudes e imperfeições são bem maiores do que as virtudes...

Vê-se, assim, que nem a mediunidade é um privilégio nem o médium é um ser especial na criação divina. Se compreendermos isso, se verdadeiramente assimilarmos essas noções, perfeitamente concordes com as observações de Allan Kardec e uma série de outros estudiosos das relações com o invisível, teremos dado o primeiro passo para o conhecimento sadio da mediunidade.

Acontece que vemos completamente o oposto. Os médiuns são, muitas vezes, vistos como porta-vozes da “vontade celeste”. Essa é a mensagem oculta que este temível equívoco veicula, atingindo em cheio as criaturas e limitando a sua capacidade crítica.


Os médiuns que se acreditam infalíveis, acabam por reivindicar posições de destaque, reclamando para si os postos de mando


O médium termina por acreditar ser infalível, começando por receber a deferência dos que o cercam para, em seguida, aceitar passivamente o respeito e a reverência com que muitos companheiros acolhem as suas opiniões. Depois, chega mesmo a reivindicar as posições de destaque, reclamando para si os postos de mando e, principalmente, os de desmando. Inclusive, esses enganos originaram diversas igrejas e estruturas de poder de seus sacerdotes.

Por incompreensão, existem grupos espíritas – apesar de a orientação dos livros de Kardec proporem a igualdade, o diálogo e acima de tudo o bom senso – em que essas estruturas de poder são reproduzidas. É exatamente neste ponto que a situação torna-se insustentável. Muitos companheiros de sociedades espíritas, deslumbrados diante dos fenômenos extraordinários, conduzem médiuns orgulhosos e ambiciosos à presidência da instituição e passam a concordar com todas as suas decisões. Os que tentam esclarecer a situação são geralmente tachados de obsediados.


|A MELHOR SOCIEDADE ESPÍRITA PARA ALLAN KARDEC|

O codificador escreveu sobre o assunto em O Livro dos Médiuns, capítulo XXIX, item 340:
“A melhor [sociedade espírita] será a que tenha mais entrosamento. (...) Contra um outro escolho têm que lutar as sociedades, pequenas ou grandes. Os ocasionadores de perturbações não se encontram somente no meio delas, mas também no mundo invisível. Assim como há Espíritos protetores das associações, das cidades e dos povos, Espíritos malfeitores se ligam aos grupos, do mesmo modo que aos indivíduos. (...) Gradativamente vão envolvendo os conjuntos, por isso que tanto mais prazer maligno experimentam quanto maior é o número dos que lhes caem sob o jugo. Todas as vezes, pois que, num grupo, um dos seus componentes cai na armadilha, cumpre se proclame que há no campo um inimigo, um lobo no redil, e que todos se ponham em guarda, visto ser mais que provável a multiplicação de suas tentativas. Se enérgica resistência não o levar ao desânimo, a obsessão se tornará mal contagioso, que se manifestará nos médiuns, pela perturbação da mediunidade, e nos outros pela hostilidade dos sentimentos, pela perversão do senso moral e pela turbação da harmonia. (...) Se um dos membros do grupo for presa da obsessão, todos os esforços devem tender, desde os primeiros iniciados, a lhe abrir os olhos, a fim de que o mal não se agrave, de modo a lhe levar a convicção de que se enganou e de lhe despertar o desejo de secundar os que procuram libertá-lo”.



CASO REAL
Conheço uma situação assim. Um trabalhador de uma casa espírita durante muito tempo tentou desenvolver seu trabalho, com paciência e dedicação, apesar dos desvios do presidente do grupo, um médium que era bastante reverenciado e – pasmem – temido.

Chegou um dia, porém, em que os absurdos se multiplicaram e ele “ousou” questionar toda aquela estrutura sacerdotal que fora criada em torno do companheiro. Não encontrou outro caminho: deixou a instituição a que tanto serviu, ouvindo dos que ficaram advertências sobre processos obsessivos. Seu nome foi levado para uma “caixinha” onde se coloca o nome dos obsediados e, até hoje, todo mundo ora por ele. E que continuem orando, porque uma prece não faz mal a ninguém, não é mesmo?

Existem instituições em que os possíveis participantes das reuniões mediúnicas passam, antes de qualquer coisa, por uma entrevista com o “médium da casa”. Nessa entrevista, esse médium faz uma avaliação, uma leitura da “aura” – sabem eles o que esse termo significa? – do candidato para perceber se é uma pessoa boa suficiente para o intercâmbio; medem os conhecimentos do candidato e, até mesmo – vejam só – dizem se o sujeito tem ou não mediunidade. Isto mesmo: eles dizem se a pessoa é médium ou não! Até candidatos ao passe têm de passar por essa “peneira psíquica”...

Trata-se ou não de um instrumento de denominação, de abuso de poder?


|AS DISPOSIÇÕES MORAIS DOS TRABALHADORES MEDIÚNICOS|

De acordo Allan Kardec e os Espíritos superiores, em O Livro dos Médiuns, capítulo XXIX, item 341, existem condições que os trabalhadores das sociedades espíritas devem atentar para “granjear a simpatia dos bons Espíritos e a só obter boas comunicações, afastando as más. Essas condições figuram-se todas, nas disposições morais dos assistentes e se resumem nos pontos seguintes:

- Perfeita comunhão de vistas e de sentimentos;
- Cordialidade recíproca entre todos os membros;
- Ausência de todo sentimento contrário à verdadeira caridade cristã;
- Um único desejo: o de se instruírem e melhorarem por meio dos ensinos dos Espíritos e do aproveitamento de seus conselhos. Quem esteja persuadido de que os Espíritos superiores se manifestam com o fito de nos fazerem progredir, e não para nos divertirem, compreenderá que eles necessariamente se afastam dos que se limitam a lhes admirar o estilo, sem nenhum proveito tirar daí, e que só se interessam pelas sessões, de acordo com o maior ou menor atrativo que lhes oferecem, segundo os gostos particulares de cada um deles;
- Exclusão de tudo o que, nas comunicações perdidas aos Espíritos, apenas exprima o desejo de satisfação da curiosidade;
- Recolhimento e silêncio respeitosos, durante as confabulações com os Espíritos;
_ União de todos os assistentes, pelo pensamento, ao apelo feito aos Espíritos que sejam evocados;
- Concurso dos médiuns da assembléia, com isenção de todo sentimento de orgulho, de amor-próprio e de supremacia e com o só desejo de serem úteis.

Serão essas condições de tão difícil preenchimento, que se não encontre quem as satisfaça? Não cremos; esperamos, ao contrário, que as reuniões verdadeiramente sérias, como as que já se realizam em diversas localidades, se multiplicarão e não hesitamos em dizer que a elas é que o Espiritismo será devedor da sua mais ampla propagação. Religando os homens honestos e conscienciosos, elas imporão silêncio à crítica e, quanto mais puras forem suas intenções, mais respeitadas serão, mesmo pelos seus adversários: Quando a zombaria ataca o bem, deixa de provocar o riso: torna-se desprezível. E nas reuniões desse gênero que se estabelecerão, pela força mesma das coisas, laços de real simpatia, de solidariedade mútua, que contribuirão para o progresso geral”.


INDO LONGE DEMAIS
Ao ver práticas como essas, fico a me perguntar: ainda que esses médiuns tenham – eles não têm – tanto poder, o que será das casas que dirigem depois que desencarnarem? Haverá sucessores para o seu posto? Serão realizadas eleições? Ou essas instituições irão fechar as portas? Acredito nesta última possibilidade, pois alguém que age dessa maneira à frente de um grupo espírita certamente não pensa que o trabalho continuará, apesar da sua ausência.

O processo de dependência criada e alimentada por esses médiuns não se limita às atividades do grupo. Sem o menor escrúpulo e a menor preocupação ética, se crêem no direito de invadir a privacidade dos trabalhadores e freqüentadores, opinando sobre suas vidas pessoais e até ditando a maneira como devem se comportar, usando a mediunidade como justificativa para manter um império pernicioso sobre as consciências.

Há pessoas que somente namoram, casam-se, programam filhos e separam-se depois de ouvirem a “palavra do médium”. Se este aponta para o norte, é para lá que se vai; se para o sul, pelo mesmo modo se age.

Precisamos refletir seriamente sobre essa dura realidade dos nossos dias: a mediunidade tem sido utilizada como um instrumento de poder, com vistas não apenas ao prazer do poder, mas também para se conseguir determinadas vantagens, bem ao sabor das necessidades do mundo.

Reflitamos...


Por: Pedro Camilo
Fonte: Revista Universo Espírita (edição 30)

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