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ELE MORREU MAMÃE?

Falar de morte com as crianças não é uma coisa fácil, sobretudo quando se trata de alguém próximo. Claro que o conhecimento da vida espiritual ajuda a entender o que está acontecendo com quem “se foi”, mas isso modifica nosso modo de lidar com o assunto?



Conversar sobre a morte com as crianças pode ser uma tarefa difícil, especialmente quando se trata de um parente próximo, mas jamais devemos deixar de fazê-lo. É isso que afirmam duas reportagens publicadas nas revistas Pais e Filhos, de fevereiro de 2007, e Veja, de 7 de março de 2007. Os artigos abordaram, especialmente, os aspectos psicológicos envolvidos nessa conversa e sugeriram diversos modos de fazê-la. Para aqueles que acreditam na imortalidade da alma, o conhecimento da vida espiritual pode tornar a morte um pouco mais fácil de se lidar, desde que estejam preparados para ela, mas essa consciência não isenta ninguém, crianças ou adultos, dos sentimentos que envolvem a separação material que o falecimento provoca. Todos lidam melhor com esse momento se estiverem acostumados a tratá-lo com naturalidade ao longo dos inúmeros momentos que esse tema surge na vida, se não lhes for escondido o que aconteceu e se lhes for dada a oportunidade de esclarecerem suas dúvidas e vivenciarem o luto ao modo delas.


DIÁLOGO COM AS CRIANÇAS
Certo dia, assisti a um filme com um grupo de crianças de cerca de 9 anos. Logo após a exibição, sentamos para conversar a respeito das dúvidas delas. Suas primeiras perguntas foram relacionadas às cenas que envolviam morte. Elas queriam saber sobre enterro, luto, características de um corpo morto, cemitérios, caixões, decomposição, enfim, todas as curiosidades naturais que as crianças apresentam perante um assunto do qual têm poucas oportunidades para tratar. No artigo da Veja, que se baseia na cartilha “Como falar às crianças sobre a morte”, publicada na França por uma psicóloga brasileira, o jornalista Marcelo Bortoloti recomenda aos pais serem claros e diretos ao falarem com as crianças, e oferece sugestões, como evitar o uso das palavras “partiu”, “viajou” ou “foi para o céu” deve-se utilizar a palavra ”morte” e deixar claro que ela é um fenômeno irreversível. Semelhante é a opinião de Mônica Dallari na matéria da revista Pais e Filhos. No texto ela procura se aproximar dos sentimentos que rodeiam a morte de alguém próximo e que são vividos pelos pais e crianças envolvidos. Mônica recomenda que evitemos metáforas como “dormir para sempre”, “virou uma estrela” ou “viajou para a Lua” para que a criança não fantasie que a morte tem volta. Contudo, sabendo da dificuldade de conversar num momento de dor, pondera que “é uma hora difícil para todos e cada um faz aquilo que consegue fazer.

[CONSOLAÇÃO DO ESPIRITISMO]

O Espiritismo, como trabalho conjunto de encarnados e desencarnados, possui um aspecto consolador. Mas sua consolação não está na ausência do sofrimento e da dor, mas na compreensão e no convívio com eles. Viver os contrastes permite que nós aprendamos. Compreender, porém, que a morte é uma separação sim, mas temporária, isso que é a consolação.
Entendermos, pela comunicação com o mundo espiritual, que a pessoa permanece ela mesma depois da morte e, quando chegar o momento de nossa própria passagem, poderemos reencontrá-la. Ela se constitui ao longo de diversas encarnações, nas quais todos tivemos papéis diversos. Nesse sentido, nossos relacionamentos são longos e estão acima desta vida. Como tal, um de nossos objetivos principais é justamente o de aprendermos a nos amarmos e, por consequência, perdoarmos nossos erros. Aprender a amar e a perdoar é uma das “lições de casa” da educação para a morte. Adicionalmente, o conhecimento das “regras da vida como espírito” nos oferece a possibilidade de comunicação com aqueles que já morreram. Isso pode acontecer em diversos momentos, mas exige a vontade daquele que está desligado do corpo. Essa comunicação é mais comum quando estamos fora do corpo durante o sono. Mas ela também pode ocorrer por via mediúnica, desde uma sensação que nos causa a presença de um Espírito conhecido até a transmissão de uma mensagem, por psicografia ou psicofonia, de alguém que nos foi querido. (T.B.A.)


A SEPARAÇÃO NATURAL
A humanidade sempre tratou a morte como um momento de mudança e não de término. As pessoas exprimiram suas idéias inatas sobre a vida futura com práticas funerárias que garantissem uma passagem tranquila. No Império Romano, por exemplo, moedas eram colocadas nos olhos dos mortos para que eles tivessem dinheiro para pagar o barqueiro que os levaria na travessia do rio da morte. Nós sempre cuidamos dos mortos. Seja queimando, seja enterrando ou deixando no alto de uma torre para que os urubus destruíssem seus corpos, encontramos maneiras para vivenciar a experiência da morte alheia como mais um aspecto do viver. Mas em nossa sociedade contemporânea e repressora, que impõe o materialismo e propõe viver intensamente o agora (consumir é a lei), a morte é vista como algo feio, ruim, que deve ser ignorado sempre que possível.

A criança, para ser protegida do feio, da dor, dos males do mundo, é posta à parte, pois “acredita-se [que] não possua maturidade suficiente para entender o que aconteceu”, afirma o jornalista da Veja, e complementa que : “Essa prática, comum no mundo ocidental por causa da dificuldade que os próprios adultos têm em lidar com a morte, está, entretanto, equivocada”, pois podem causar traumas. Mônica, da Pais e Filhos, concorda: “Tentar evitar a dor agora, pode ter consequências piores”, afirma. Sustenta, também, a necessidade de garantir que a criança perceba que a morte é um processo da natureza e que sentimentos, como raiva, mágoa, tristeza, “vêm com a perda, é assim mesmo, não tem como escapar. Muitas vezes, com a melhor das intenções, é verdade, escondemos a nossa própria tristeza, fingimos que nada de grave aconteceu, achando que, assim, os filhos vão ficar melhor. Não vão. Claro que você pode fazer muito: conversar, dar colo, ficar junto...”



ELE “MORREU”
A morte é realmente um fenômeno irrevogável. Depois do desprendimento da alma não há como haver nova ligação. Esta só ocorre quando o corpo é um óvulo fecundado, consolidando-se gradualmente durante a gestação. O fato do espírito sobreviver à morte não significa que ela seja reversível, pois a situação anterior não volta mais. E, embora mantenha suas características pessoais, quem “passou” continua a aprender sempre e vive novas experiências no mundo espiritual.

Ou seja, há uma mudança de situação e ela provoca uma separação material. Essa separação não pode ser desconsiderada, pois gera sentimentos que só vivenciamos por estarmos num mundo material. É importante para nosso aprendizado que assim seja. Cada pessoa tem um jeito de encarar esses sentimentos e de lidar com essa separação. As palavras que utiliza para se referir ao que ocorreu mostram isso, “ele se foi”, “ele faleceu”, “ele morreu”, ou mesmo nenhuma palavra. Um espírita pode afirmar que não há morte e que, portanto, deve dizer “ele desencarnou”. Mudar palavras não representa mudar idéias. De que adianta dizer “ele desencarnou” se isso não significa uma compreensão do passamento. Se eu entendo o que é a morte, posso dizer que alguém “morreu”, ou seja, passou pelo processo de romper a ligação com seu corpo físico. A palavra morte tem a carga emocional que compartilhamos culturalmente. Se nada falarmos a respeito, ela será tida como “proibida”. Se a morte for considerada algo natural, então diremos “ele morreu” e o único incômodo será o do próprio evento e não o da palavra.


[POR QUE TEMOS MEDO DA MORTE?]

“O homem, seja qual for o grau da escola a que pertença, desde o estado selvagem tem o sentimento inato do futuro. Diz-lhe a intuição que a morte não é a última palavra da existência e que aqueles que lamentamos não estão perdidos sem retorno. A crença no futuro é intuitiva e infinitamente mais geral que a do nada. Como é, pois, que, entre os que crêem na imortalidade da alma, ainda se encontra tanto apego às coisas da Terra e tão grande apreensão da morte? A apreensão da morte é feito da sabedoria da Providência e uma consequência do instinto de conservação comum a todos os seres vivos. Ela é necessária enquanto o homem não for bastante esclarecido quanto às condições da vida futura, como contrapeso ao arrastamento que, sem esse freio, o levaria a deixar prematuramente a vida terrestre e a negligenciar o trabalho daqui, que deve servir para o seu adiantamento . (...) Para libertar-se das apreensões da morte, deve poder encará-la sobre o seu verdadeiro ponto de vista, isto é, ter penetrado por pensamento no mundo invisível e dele ter feito uma idéia tão exata quanto possível, o que denota no espírito encarnado um certo desenvolvido e uma certa aptidão para se desprender da matéria. (...) A apreensão da morte depende, pois, da insuficiência das noções sobre a vida futura; mas denota a necessidade de viver e o medo que a destruição do corpo seja o fim de tudo. É, assim, provocada pelo secreto desejo de sobrevivência da alma, ainda velada pela incerteza. A apreensão enfraquece à medida que se forma a certeza; desaparece quando a certeza é completa.” (Allan Kardec – Revista Espírita, fevereiro de 1865)

EDUCAÇÃO PARA A MORTE
Todo ato educativo visa a melhora do educando. Não existe educação para o desaprendizado. E quando considerarmos o educando um espírito, que vive a vida do corpo e do espírito, educamos para a vida: a passada, a presente e a futura. Portanto, educar para a vida exige – entre muitas outras coisas – educar para a morte, pois esta é parte integrante daquela. Na existência do espírito, há muitas vidas e muitas mortes. Educar para a morte exige um estudo sobre seus aspectos materiais e espirituais e uma vivência de experiências que permita a todos compreender a naturalidade desse fenômeno. Como afirmou Mônica, na matéria da revista Pais e Filhos, não conversar sobre a morte “limita as chances de enfrentamento” por parte da criança. O conhecimento é a chave para não desenvolver o medo dessa passagem. O fato de sermos adultos não nos qualifica como sabedores de nenhum assunto. Quem pode se considerar especialista em viver um casamento ou em lidar com o sofrimento do filho? Por isso, precisamos pensar compartilhadamente – adultos e crianças – respeitando os limites de cada um, sobre a nossa morte e a de nossos familiares antes que ela esteja iminente. Isso vai desde as inúmeras providências funerárias até o objetivo da própria vida.

Como conhecimento não se desenvolve apenas nas idéias, mas surge das vivências – pois é a partir delas que as elaboramos – não podemos fugir e nem esconder as crianças da morte, de bichos de estimação a parentes próximos. No texto da Pais e Filhos, Mônica apresenta isso claramente quando diz que, nos tempos atuais “falar do assunto virou tabu para os adultos. Os rituais de despedida agora são discretos e rápidos, O espaço e o tempo para chorar foram reduzidos, e as crianças “poupadas” desses momentos. Os grandes, no intuito de proteger os menores de sofrimento, reduzem ao mínimo as informações sobre a morte de pessoas queridas. Muitas vezes inclusive negam ou omitem fatos importantes”. Ela ainda destaca as conseqüências desse ato: “Com isso, cresce a dificuldade dos pequenos de entender a morte como um processo natural da vida. Quando pais ou familiares próximos compartilham o luto com as crianças, eles estão ensinando a lidar com os sentimentos de dor que fazem parte da vida”. Pais e educadores não são especialistas em tudo, mas constantes aprendizes. E, como tal, precisam manter esse espírito de auto-educação na vida. Desenvolver livremente nossa concepção e nossas vivências sobre a morte é um dos mais importantes passos para que as crianças possam fazê-lo.


Por: Thiago Borges de Aguiar
Fonte: Revista Universo Espírita (edição 43)

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